Em julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou representativo da controvérsia (543-C do CPC) relativo ao termo inicial do prazo prescricional nas demandas por indenização do seguro DPVAT que envolvem invalidez permanente da vítima, houve alteração da tese 1.2 do acórdão embargado, nos seguintes termos: “Exceto nos casos de invalidez permanente notória, ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico”. EDcl no REsp 1.388.030-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, julgado em 27/8/2014, DJe 12/11/2014.
Em julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou recurso representativo da controvérsia (543-C do CPC) relativo ao prejuízo experimentado pelas empresas do setor sucroalcooleiro em razão do tabelamento de preços estabelecido pelo Governo Federal por intermédio da Lei 4.870/1965, reconheceu-se a existência de omissão e obscuridade no acórdão embargado para se esclarecer, em seguida, que: (a) nos casos em que já há sentença transitada em julgado, no processo de conhecimento, a forma de apuração do valor devido deve observar o respectivo título executivo; e (b) a eficácia da Lei 4.870/1965 findou em 31/1/1991, em virtude da publicação, em 1/2/1991, da Medida Provisória 295, de 31/1/1991, posteriormente convertida na Lei 8.178, de 1/3/1991. EDcl no REsp 1.347.136-DF, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 11/6/2014, DJe 2/2/2015.
Quando a autoridade que receber a denúncia for incompetente em razão de prerrogativa de foro do réu, o recebimento da peça acusatória será ato absolutamente nulo e, portanto, não interromperá a prescrição. Precedente citado do STJ: REsp 819.168-PE, Quinta Turma, DJ 5/2/2007. Precedente citado do STF: HC 63.556-RS, Segunda Turma, DJ 9/5/1986. APn 295-RR, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/12/2014, DJe 12/2/2015.
Extingue-se, com o óbito do alimentante, a obrigação de prestar alimentos a sua ex-companheira decorrente de acordo celebrado em razão do encerramento da união estável, transmitindo-se ao espólio apenas a responsabilidade pelo pagamento dos débitos alimentares que porventura não tenham sido quitados pelo devedor em vida (art. 1.700 do CC). De acordo com o art. 1.700 do CC, “A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.694”. Esse comando deve ser interpretado à luz do entendimento doutrinário de que a obrigação alimentar é fruto da solidariedade familiar, não devendo, portanto, vincular pessoas fora desse contexto. A morte do alimentante traz consigo a extinção da personalíssima obrigação alimentar, pois não se pode conceber que um vínculo alimentar decorrente de uma já desfeita solidariedade entre o falecido-alimentante e a alimentada, além de perdurar após o término do relacionamento, ainda lance seus efeitos para além da vida do alimentante, deitando garras no patrimônio dos herdeiros, filhos do de cujus. Entender que a obrigação alimentar persiste após a morte, ainda que nos limites da herança, implicaria agredir o patrimônio dos herdeiros (adquirido desde o óbito por força da saisine). Aliás, o que se transmite, no disposto do art. 1.700 do CC, é a dívida existente antes do óbito e nunca o dever ou a obrigação de pagar alimentos, pois personalíssima. Não há vínculos entre os herdeiros e a ex-companheira que possibilitem se protrair, indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta, fenecendo, assim, qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de alimentos após a morte do alimentante. O que há, e isso é inegável, até mesmo por força do expresso texto de lei, é a transmissão da dívida decorrente do débito alimentar que por ventura não tenha sido paga pelo alimentante enquanto em vida. Essa limitação de efeitos não torna inócuo o texto legal que preconiza a transmissão, pois, no âmbito do STJ, se vem dando interpretação que, embora lhe outorgue efetividade, não descura dos comandos macros que regem as relações das obrigações alimentares. Daí a existência de precedentes que limitam a prestação dos alimentos, pelo espólio, à circunstância do alimentado também ser herdeiro, ante o grave risco de demoras, naturais ou provocadas, no curso do inventário, que levem o alimentado a carência material inaceitável (REsp 1.010.963-MG, Terceira Turma, DJe 5/8/2008). Qualquer interpretação diversa, apesar de gerar mais efetividade ao art. 1.700 do CC, vergaria de maneira inaceitável os princípios que regem a obrigação alimentar, dando ensejo à criação de situações teratológicas, como o de viúvas pagando alimentos para ex-companheiras do de cujus, ou verdadeiro digladiar entre alimentados que também sejam herdeiros, todos pedindo, reciprocamente, alimentos. Assim, admite-se a transmissão tão somente quando o alimentado também seja herdeiro, e, ainda assim, enquanto perdurar o inventário, já se tratando aqui de uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação alimentar desde o óbito. A partir de então (no caso de herdeiros) ou a partir do óbito do alimentante (para aqueles que não o sejam), fica extinto o direito de perceber alimentos com base no art. 1.694 do CC, ressaltando-se que os valores não pagos pelo alimentante podem ser cobrados do espólio. REsp 1.354.693-SP, Rel. originário Min. Maria Isabel Gallotti, voto vencedor Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 26/11/2014, DJe 20/2/2015.
Compete à Justiça Federal – e não à Justiça Eleitoral – processar e julgar o crime caracterizado pela destruição de título eleitoral de terceiro, quando não houver qualquer vinculação com pleitos eleitorais e o intuito for, tão somente, impedir a identificação pessoal. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material do crime. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, à regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático. Dessa forma, a despeito da existência da descrição típica formal no Código Eleitoral (art. 339: “Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição”), não há como minimizar o conteúdo dos crimes eleitorais sob o aspecto material. CC 127.101-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/2/2015, DJe 20/2/2015.
É competente para cobrar o ISS incidente sobre a prestação de serviço de análise clínica (item 4.02 da lista anexa à LC 116/2003) o município no qual foi feita a contratação do serviço, a coleta do material biológico e a entrega do respectivo laudo, ainda que a análise do material coletado tenha sido realizada em unidade localizada em outro município, devendo-se incidir o imposto sobre a totalidade do preço pago pelo serviço. Dispõe o art. 4º da LC 116/2003 que: “Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”. Diante disso, verifica-se, no caso em análise, que a empresa contribuinte, a despeito de manter seu laboratório em determinado município, estabeleceu unidade econômica e profissional em outra municipalidade com escopo de disponibilizar os seus serviços de análises clínicas para as pessoas dessa localidade. Esse tipo de estabelecimento constituiu unidade econômica porque é lá onde usualmente contrata-se o serviço, providencia-se o pagamento e encerra-se a avença, com a entrega do laudo técnico solicitado pelo consumidor. Também se caracteriza como unidade profissional, uma vez que nesse lugar dá-se a coleta do material biológico, o qual exige conhecimento técnico para a extração, o acondicionamento e o transporte até o laboratório. Por oportuno, deve-se anotar que o caso em análise é absolutamente diferente daquele decidido no Recurso Especial Repetitivo 1.060.210-SC (Primeira Seção, DJe 5/3/2013), em que se decidiu que “[a]pós a vigência da LC 116/2003 é que se pode afirmar que, existindo unidade econômica ou profissional do estabelecimento prestador no Município onde o serviço é perfectibilizado, ou seja, onde ocorrido o fato gerador tributário, ali deverá ser recolhido o tributo”. Naqueles autos, que cuidavam do ISS incidente sobre o arrendamento mercantil (leasing), concluiu a Primeira Seção que o núcleo da operação, concernente à concessão do financiamento, era integralmente realizado, com a análise e aprovação do crédito, elaboração do contrato e liberação dos valores, pela empresa arrendadora em seu estabelecimento, normalmente localizado nos grandes centros do País. Depreende-se, assim, que, na hipótese do leasing, a empresa que comercializa o bem desejado não constitui unidade econômica ou profissional da empresa arrendadora, na medida em que, em tais casos, o consumidor somente se dirige à empresa vendedora (concessionária de veículos) para indicar à instituição financeira a res que deverá ser adquirida e disponibilizada. Em outras palavras, o consumidor e a empresa concessionária buscam, ainda que de forma não presencial, o auxílio de instituição financeira sediada noutra localidade para concretizar o negócio. Frise-se, ainda, que a faculdade assegurada à empresa contribuinte de eleger o município onde vai manter os seus laboratórios constitui uma conveniência empresarial e, como tal, não pode vincular a competência do ente tributante. Por fim, mostra-se igualmente importante para a solução da controvérsia o local onde é gerada a riqueza tributável. Na presente hipótese, verifica-se que a receita advinda do contrato de prestação de serviço de análises clínicas é obtida em face do estabelecimento da unidade econômica e profissional sediada no município em que realizada a coleta de material biológico. Nesse contexto, compete a essa municipalidade o direito à tributação sobre a riqueza que foi gerada em seu território, pois ali fora estabelecida a relação jurídico-tributária. De mais a mais, registre-se que não é possível decompor o serviço e o valor a ser tributado. Isso porque o ISS é devido ao primeiro município, em que se estabeleceu a relação jurídico-tributária, e incide sobre a totalidade do preço do serviço pago, não havendo falar em fracionamento, ante a impossibilidade técnica de se dividir ou decompor o fato imponível. A par disso, a remessa do material biológico entre unidades do mesmo contribuinte não constitui fato gerador do tributo, à míngua de relação jurídico-tributária com terceiros ou onerosidade. Em verdade, a hipótese em foco se assemelha, no que lhe for cabível, ao enunciado da Súmula 166 do STJ, verbis: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de uma para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. REsp 1.439.753-PE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Rel. para acórdão Min. Benedito Gonçalves, julgado em 6/11/2014, DJe 12/12/2014.
Na execução de título judicial oriundo de ação coletiva promovida por sindicato na condição de substituto processual, não é possível destacar os honorários contratuais do montante da condenação sem que haja autorização expressa dos substituídos ou procuração outorgada por eles aos advogados. De acordo com o § 4º do art. 22 da Lei 8.906/1994, “Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou”. Assim, nos termos do citado artigo, para que haja a retenção, é imprescindível previsão contratual. No caso dos sindicatos, ainda que seja ampla sua legitimação extraordinária para defesa de direitos e interesses individuais e/ou coletivos dos integrantes da categoria que representa, inclusive para liquidação e execução de créditos – nos termos do art. 8º da CF –, a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida quando o sindicato juntar aos autos, no momento oportuno, o contrato respectivo, que deve ter sido celebrado com cada um dos filiados, ou, ainda, a autorização destes para que haja a retenção. Isso porque o contrato pactuado exclusivamente entre o sindicato e o advogado não vincula os filiados substituídos, em face da ausência de relação jurídica contratual entre estes e o advogado. Precedente citado: REsp 931.036-RS, Terceira Turma, DJe 2/12/2009. REsp 1.464.567-PB, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 3/2/2015, DJe 11/2/2015.
É admissível a averbação, no registro de nascimento do filho, da alteração do sobrenome de um dos genitores que, em decorrência do divórcio, optou por utilizar novamente o nome de solteiro, contanto que ausentes quaisquer prejuízos a terceiros. O art. 57 da Lei 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos – admite a alteração do nome civil, excepcionalmente e de forma motivada, com a devida apreciação judicial, sem descurar da ausência de prejuízo a terceiros. Dessa forma, é justificável e plausível a modificação do sobrenome constante da certidão de nascimento, situação que prima pela contemporaneidade da vida, dinâmica por natureza (e não do momento da lavratura do registro). A função do sobrenome é identificar o núcleo familiar da pessoa e deve retratar a verdade real, fim do registro público, que objetiva espelhar, da melhor forma, a linhagem individual. Assim, é direito subjetivo da pessoa retificar seu sobrenome no registro de nascimento de seus filhos após divórcio. Ademais, a averbação do sobrenome no registro de nascimento do filho em decorrência do casamento (art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/1992) atrai, à luz do princípio da simetria, a aplicação da mesma norma à hipótese inversa, qual seja, em decorrência do divórcio, um dos genitores deixa de utilizar o nome de casado. Além disso, não se coaduna à razoabilidade exigir que um dos genitores e seus filhos portem diariamente consigo cópia da certidão de casamento dos pais com a respectiva averbação para fins de identificação, em prejuízo do exercício do poder familiar. Além do mais, não seria coerente impor a alguém utilizar-se de outro documento público para provar a filiação constante de sua certidão de nascimento. Por isso, havendo alteração superveniente que venha a obstaculizar a própria identificação do indivíduo no meio social, resta indubitável a possibilidade de posterior retificação do registro civil. Por fim, registre-se que não se verifica impedimento legal para modificação do sobrenome dos filhos quando há alteração do nome de um dos genitores por ocasião do divórcio, conforme se verifica na legislação de regência: art. 54 da Lei 6.015/1973, arts. 20 e 27 do ECA, art. 1.565 do CC e art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.560/1992. Precedentes citados: REsp 1.072.402-MG, Quarta Turma, DJe 1º/2/2013; e REsp 1.041.751-DF, Terceira Turma, DJe 3/9/2009. REsp 1.279.952-MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015, DJe 12/2/2015.
No Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C) com apólice em aberto, ou seja, quando as averbações são feitas após o início dos riscos, o segurado perde o direito à garantia securitária na hipótese de não averbar todos os embarques e mercadorias transportadas, exceto se, comprovadamente, a omissão do transportador se der por mero lapso, a evidenciar a boa-fé. O Seguro de Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário de Cargas (RCTR-C) garante o reembolso dos valores que ele, transportador, despender aos proprietários da carga por tê-la entregue em desconformidade com o que recebeu. Em virtude da dinâmica, competitividade e flexibilidade das regras do mercado, foi criada a cláusula de averbação, ou seja, foi instituída uma apólice em aberto (ou seguro de risco decorrido), hipótese em que há apenas uma proposta, e é emitida uma única apólice especificando de forma genérica os riscos cobertos, mas sem detalhar as características de cada embarque, o que somente será feito em um momento futuro por meio da averbação. Isso posto, tendo em vista a contratação de garantia de todos os embarques, inclusive futuros, por certo período de tempo e a sistemática de entrega das averbações após as viagens, o transportador rodoviário deverá informar à seguradora a totalidade dos bens e mercadorias transportados, sob pena de perder a indenização securitária, dada a não observância do princípio da globalidade, essencial para manter hígida a equação matemática que dá suporte ao negócio jurídico firmado. Exceção deve ser feita se, comprovadamente, a omissão do transportador se der por mero lapso, a evidenciar a boa-fé. O dever de comunicar todos os embarques tem a finalidade de evitar que o segurado averbe apenas aqueles que lhe interessem (notadamente eventos em que ocorreram prejuízos), porquanto a livre seleção dos riscos a critério do transportador, com exclusão das averbações dos embarques de pequeno risco, tornaria insuficiente ou deficitário o fundo mútuo constituído pelos prêmios pagos por todo o grupo segurado. Seriam averbações de sinistros em vez de averbações de embarques. Sendo assim, a empresa transportadora que reiteradamente não faz averbações integrais dos embarques realizados, não cumprindo o princípio da globalidade ou a obrigação contratual, perde o direito à garantia securitária, sobretudo se não forem meros lapsos, a configurar boa-fé, mas sonegações capazes de interferir no equilíbrio do contrato e no cálculo dos prêmios. REsp 1.318.021-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015, DJe 12/2/2015.
Admitiu-se a desconstituição de paternidade registral no seguinte caso: (a) o pai registral, na fluência de união estável estabelecida com a genitora da criança, fez constar o seu nome como pai no registro de nascimento, por acreditar ser o pai biológico do infante; (b) estabeleceu-se vínculo de afetividade entre o pai registral e a criança durante os primeiros cinco anos de vida deste; (c) o pai registral solicitou, ao descobrir que fora traído, a realização de exame de DNA e, a partir do resultado negativo do exame, não mais teve qualquer contato com a criança, por mais de oito anos até a atualidade; e (d) o pedido de desconstituição foi formulado pelo próprio pai registral. De fato, a simples ausência de convergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si só, não autoriza a invalidação do registro. Realmente, não se impõe ao declarante, por ocasião do registro, prova de que é o genitor da criança a ser registrada. O assento de nascimento traz, em si, essa presunção. Entretanto, caso o declarante demonstre ter incorrido, seriamente, em vício de consentimento, essa presunção poderá vir a ser ilidida por ele. Não se pode negar que a filiação socioativa detém integral respaldo do ordenamento jurídico nacional, a considerar a incumbência constitucional atribuída ao Estado de proteger toda e qualquer forma de entidade familiar, independentemente de sua origem (art. 227 da CF). Ocorre que o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. Em outras palavras, as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte do indivíduo que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe da criança. Portanto, a higidez da vontade e da voluntariedade de ser reconhecido juridicamente como pai consubstancia pressuposto à configuração de filiação socioafetiva no caso aqui analisado. Dessa forma, não se concebe a conformação dessa espécie de filiação quando o apontado pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento. Ademais, sem proceder a qualquer consideração de ordem moral, não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos sem que voluntária e conscientemente o queira. Além disso, como a filiação sociafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, caberá somente a ele contestar a paternidade em apreço. Por fim, ressalte-se que é diversa a hipótese em que o indivíduo, ciente de que não é o genitor da criança, voluntária e expressamente declara o ser perante o Oficial de Registro das Pessoas Naturais (“adoção à brasileira”), estabelecendo com esta, a partir daí, vínculo da afetividade paterno-filial. Nesta hipótese – diversa do caso em análise –, o vínculo de afetividade se sobrepõe ao vício, encontrando-se inegavelmente consolidada a filiação socioafetiva (hipótese, aliás, que não comportaria posterior alteração). A consolidação dessa situação – em que pese antijurídica e, inclusive, tipificada no art. 242 do CP –, em atenção ao melhor e prioritário interesse da criança, não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, afigurando-se irrelevante, nesse caso, a verdade biológica. Trata-se de compreensão que converge com o posicionamento perfilhado pelo STJ (REsp 709.608-MS, Quarta Turma, DJe 23/11/2009; e REsp 1.383.408-RS, Terceira Turma, DJe 30/5/2014). REsp 1.330.404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/2/2015, DJe 19/2/2015.
Pode ser deferido pedido formulado por filho que, no primeiro ano após atingir a maioridade, pretende excluir completamente de seu nome civil os sobrenomes de seu pai, que o abandonou em tenra idade. Nos termos da legislação vigente (arts. 56 e 57 da Lei 6.015/1973 – Lei de Registros Públicos), o nome civil pode ser alterado no primeiro ano, após atingida a maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família, ou, ultrapassado esse prazo, por justo motivo, mediante apreciação judicial e após ouvido o Ministério Público. A propósito, deve-se salientar a tendência do STJ à superação da rigidez do registro de nascimento, com a adoção de interpretação mais condizente com o respeito à dignidade da pessoa humana, fundamento basilar de um estado democrático. Em outras palavras, o STJ tem adotado posicionamento mais flexível acerca da imutabilidade ou definitividade do nome civil, especialmente quanto à possibilidade de alteração por justo motivo (hipótese prevista no art. 57), que deve ser aferido caso a caso. Com efeito, o princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro. Além disso, a referida flexibilização se justifica “pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa” (REsp 1.412.260-SP, Terceira Turma, DJe 22/5/2014). Desse modo, o direito da pessoa de portar um nome que não lhe remeta às angústias decorrentes do abandono paterno e, especialmente, corresponda à sua realidade familiar, sobrepõe-se ao interesse público de imutabilidade do nome, já excepcionado pela própria Lei de Registros Públicos. Sendo assim, nos moldes preconizados pelo STJ, considerando que o nome é elemento da personalidade, identificador e individualizador da pessoa na sociedade e no âmbito familiar, conclui-se que o abandono pelo genitor caracteriza o justo motivo de o interessado requerer a alteração de seu nome civil, com a respectiva exclusão completa dos sobrenomes paternos. Precedentes citados: REsp 66.643-SP, Quarta Turma, DJ 21/10/1997; e REsp 401.138-MG, Terceira Turma, DJ 26/6/2003. REsp 1.304.718-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 18/12/2014, DJe 5/2/2015.
Não é possível aproveitar tempo de serviço especial, tampouco tempo de serviço prestado sob a condição de aluno-aprendiz, mesmo que reconhecidos pelo INSS, para fins de cálculo da renda mensal inicial de benefício da previdência privada. Por um lado, de acordo com os arts. 202 da CF e 1º da LC 109/2001, a previdência privada é de caráter complementar, facultativa, regida pelo Direito Civil, baseada na constituição de reservas que garantam o benefício contratado – sendo o regime financeiro de capitalização (contribuições do participante e do patrocinador, se houver, e rendimentos com a aplicação financeira destas) obrigatório para os benefícios de pagamento em prestações continuadas e programadas – e organizada de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social. Por outro lado, a previdência social é um seguro coletivo, público, de cunho estatutário, compulsório – ou seja, a filiação é obrigatória para diversos empregados e trabalhadores rurais ou urbanos (art. 11 da Lei 8.213/1991) –, destinado à proteção social, mediante contribuição, proporcionando meios indispensáveis de subsistência ao segurado e à sua família na ocorrência de certa contingência prevista em lei (incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte do segurado), sendo o sistema de financiamento o de caixa ou de repartição simples. Conclui-se, desse modo, que, ante as especificidades de cada regime e a autonomia existente entre eles, a concessão de benefícios oferecidos pelas entidades abertas ou fechadas de previdência privada não depende da concessão de benefício oriundo do regime geral de previdência social. Além disso, ressalte-se que, pelo regime de capitalização, o benefício de previdência complementar será decorrente do montante de contribuições efetuadas e do resultado de investimentos, não podendo haver, portanto, o pagamento de valores não previstos no plano de benefícios, sob pena de comprometimento das reservas financeiras acumuladas (desequilíbrio econômico-atuarial do fundo), a prejudicar os demais participantes, que terão que custear os prejuízos daí advindos. Verifica-se, portanto, que o tempo de serviço especial (tempo ficto) e o tempo de serviço prestado sob a condição de aluno-aprendiz, próprios da previdência social, são incompatíveis com o regime financeiro de capitalização, ínsito à previdência privada. REsp 1.330.085-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/2/2015, DJe 13/2/2015.
No caso em que foi concedida ao consumidor a opção de realizar o pagamento pela aquisição do produto por meio de boleto bancário, débito em conta corrente ou em cartão de crédito, não é abusiva a cobrança feita ao consumidor pela emissão de boletos bancários, quando a quantia requerida pela utilização dessa forma de pagamento não foi excessivamente onerosa, houve informação prévia de sua cobrança e o valor pleiteado correspondeu exatamente ao que o fornecedor recolheu à instituição financeira responsável pela emissão do boleto bancário. Na hipótese em foco, o fornecedor do produto faculta ao consumidor optar por três modalidades de pagamento pela aquisição do bem: boleto bancário, débito em conta corrente ou em cartão de crédito. Dessa forma, o consumidor tem a liberdade contratual de optar pelo meio de quitação da dívida que entende mais benéfico – autonomia da vontade que merece ser confirmada, já que a escolha não acentua a vulnerabilidade do consumidor. Destaque-se que a imposição do ressarcimento pelos custos da cobrança é que deve ser considerada cláusula abusiva. No caso em apreço, não há obrigação de se adotar o boleto bancário, que não configura “cláusula surpresa”, visto existir a possibilidade de outros meios de pagamento, não havendo falar em vantagem exagerada ou enriquecimento sem causa por parte do fornecedor. Desse modo, não se impõe nenhuma desvantagem manifestamente excessiva ao consumidor, pois a despesa pela emissão do boleto não é ordinária, mas decorre do processamento de uma das formas de cobrança realizadas pelo fornecedor. Ademais, a quantia cobrada pela emissão dos boletos bancários dos consumidores que optaram por essa modalidade de pagamento corresponde exatamente ao valor que o fornecedor recolhe à instituição financeira, ou seja, o repasse não se reverte em lucro, mas representa a contraprestação por um serviço adquirido pelo consumidor. Aliás, não configura onerosidade excessiva a cobrança da referida despesa, a qual é inerente ao processamento, à emissão e ao recebimento dos boletos de cobrança. Além disso, o CDC não veda a estipulação contratual que impõe ao consumidor o pagamento das despesas de cobrança; apenas determina que esse direito seja uma via de mão dupla, ou seja, caso necessário, o consumidor poderá ser ressarcido integralmente, podendo cobrar do fornecedor, inclusive, pelo custo adicionado na cobrança. Registre-se, ainda, que foram prestadas informações adequadas e pormenorizadas a respeito do produto ou serviço contratado, motivo pelo qual não há violação ao art. 6º do CDC. Nessa medida, resta cumprido o dever de informação e o direito de opção do consumidor, ficando esclarecido de antemão que, no caso de cobrança por boleto bancário, haverá acréscimo de valor na fatura, quantia que não se mostra excessivamente onerosa na espécie. Por fim, observe-se que a ideia de vulnerabilidade está justamente associada à debilidade de um dos agentes da relação de mercado, no caso, o consumidor, cuja dignidade merece ser sempre preservada. As cláusulas são consideradas ilícitas pela presença de um abuso de direito contratual a partir de condutas eivadas de má-fé e manifesto dirigismo contratual, situação não vislumbrada no caso em análise, em que se respeitada a livre pactuação dos custos, mantidos o equilíbrio contratual, a proporcionalidade do acréscimo cobrado e a boa-fé objetiva do fornecedor. REsp 1.339.097-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/2/2015, DJe 9/2/2015.
Na hipótese de alienação extraordinária de ativo da falida (arts. 144 e 145 da Lei 11.101/2005), não é necessária a prévia publicação de edital em jornal de grande circulação prevista no § 1° do art. 142 da Lei 11.101/2005. A Lei de Falências, em seu art. 142, prevê três modalidades ordinárias de alienação do ativo, quais sejam: leilão, pregão e propostas fechadas. Além disso, os arts. 144 e 145 do referido diploma legal preveem a alienação extraordinária do ativo da pessoa jurídica mediante proposta aprovada ou homologada pelo juiz. Ciente disso, verifica-se que não é necessário que a alienação extraordinária do ativo seja precedida de publicação de edital em jornal de grande circulação, para que seja dada ampla publicidade à intenção de venda, como exige o art. 142, § 1º, da Lei de Falências. Isso porque o referido dispositivo legal diz respeito exclusivamente à alienação ordinária, por três motivos, a saber: primeiro, por uma razão topográfica, pois o enunciado normativo do art. 142 diz respeito à alienação ordinária, sendo que a alienação extraordinária somente passa a ser tratada no art. 144 da Lei de Falências; segundo, por uma razão ontológica, uma vez que a necessidade de edital prévio praticamente eliminaria a diferença entre a alienação ordinária e a extraordinária, haja vista que, depois de publicado o edital, pouco restaria ao juiz além de proclamar a melhor proposta ou fazer uma sessão de lances mediante pregão ou leilão; e terceiro, por uma razão teleológica, pois a exigência de edital comprometeria a celeridade do procedimento de alienação do ativo, podendo inviabilizar a continuidade da atividade empresária, que é um dos principais objetivos da Lei de Falências. Por fim, cabe lembrar que até mesmo na execução individual, em que o devedor merece maior proteção do que na execução concursal, já se admite a venda direta de ativo, inclusive por preço inferior ao da avaliação, sem necessidade de publicação de editais, à luz do que dispõe o art. 685-C do CPC. REsp 1.356.809-GO, Rel. Min. Paulo De Tarso Sanseverino, julgado em 10/2/2015, DJe 18/2/2015.
Não estão legitimadas a integrar o polo passivo de ação de execução de honorários advocatícios as sociedades empresárias que não figurarem no título executivo extrajudicial, ainda que sejam integrantes do mesmo grupo econômico da sociedade empresária que firmou o contrato de prestação de serviços advocatícios. O fato de sociedades empresárias pertencerem a um mesmo grupo econômico, por si só, não as torna automaticamente solidárias nas respectivas obrigações. Cada pessoa jurídica tem personalidade e patrimônio próprios, distintos, justamente para assegurar a autonomia das relações e atividades de cada sociedade empresária, ainda que integrantes de um mesmo grupo econômico. Somente em casos excepcionais essas distinções podem ser superadas, motivadamente (art. 50 do CC). Esse raciocínio é ainda mais forte em se tratando de processo de execução, que reclama título hábil a tanto, ou seja, dotado de liquidez, certeza e exigibilidade em relação ao executado. A questão, portanto, resolve-se pela observância dos limites subjetivos do título extrajudicial, nos termos do art. 568, I, do CPC: “São sujeitos passivos na execução: I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo”. Desse modo, não se justifica, na espécie, a aplicação da teoria da aparência – ao menos para o fim de constituir automaticamente título executivo extrajudicial. Com efeito, não se está a tratar de relação de consumo ou hipótese outra que autorize presumir a hipossuficiência dos contratantes advogados. Estes, na verdade, estão apenas a cobrar honorários advocatícios decorrentes de contrato de prestação de serviços firmado com sociedade empresária específica, não havendo indícios objetivos que permitam, no processo de execução, reconhecer-se a existência de confusão ou dúvida quanto ao real devedor, de modo a estender a responsabilidade para além da contratante. Não podem os credores, no intuito de agilizar o resgate de seu crédito perante sociedade empresária em aparente dificuldade financeira, direcionar a execução para outras sociedades – ainda que integrantes do mesmo grupo econômico – contra as quais não possuem título executivo, atropelando as normas legais. A teoria da aparência, definitivamente, não admite esse viés. REsp 1.404.366-RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 23/10/2014, DJe 9/2/2015.
A suspensão do processo determinada com base no art. 110 do CPC não pode superar um ano, de modo que, ultrapassado esse prazo, pode o juiz apreciar a questão prejudicial. A despeito de o art. 935, in fine, do CC positivar uma relação de prejudicialidade entre as esferas penal e cível, a ponto de autorizar o magistrado a suspender o processo, é inviável o sobrestamento indeterminado da ação cível, sobretudo quando ultrapassado o lapso de um ano, nos termos do art. 110 do CPC, o qual deve ser interpretado em consonância com o art. 265, § 5º, do CPC. Com efeito, o art. 110 do CPC confere ao juiz a faculdade de sobrestar o andamento do processo civil para a verificação de fato delituoso, atribuindo-se ao magistrado a prerrogativa de examinar a conveniência e a oportunidade dessa suspensão. Segundo a doutrina, a razão hermenêutica de tal comando reside na possibilidade de decisões conflitantes justificando a suspensão da causa prejudicada, para aguardar-se a solução da prejudicial, nos termos do art. 265, IV, alínea “a”, do CPC. Por fim, ressalte-se que a eventual análise da questão prejudicial não se revestirá da força da coisa julgada material, nos termos do art. 469, III, do CPC. Precedentes citados: REsp 282.235-SP, Terceira Turma, DJ 9/04/2001; REsp 35.877-SP, Quarta Turma, DJ 4/11/1996. REsp 1.198.068-MS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014, DJe 20/2/2015.
Quando a Defensoria Pública atuar como representante do assistente de acusação, é dispensável a juntada de procuração com poderes especiais. Isso porque o defensor público deve juntar procuração judicial somente nas hipóteses em que a lei exigir poderes especiais (arts. 44, XI, 89, XI, e 128, XI, da LC 80/1994). Ressalte-se que a Defensoria Pública tem por função institucional patrocinar tanto a ação penal privada quanto a subsidiária da pública, não havendo incompatibilidade com a função acusatória. Assim, nada impede que a referida instituição possa prestar assistência jurídica, atuando como assistente de acusação, nos termos dos arts. 268 e seguintes do CPP (HC 24.079-PB, Quinta Turma, DJ 29/9/2003). HC 293.979-MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 5/2/2015, DJe 12/2/2015.
O fato de licitação estadual envolver recursos repassados ao Estado-Membro pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por meio de empréstimo bancário (mútuo feneratício) não atrai a competência da Justiça Federal para processar e julgar crimes relacionados a suposto superfaturamento na licitação. De fato, a competência da Justiça Federal para apuração de crimes decorre do art. 109, IV, da CF, que afirma, dentre outras coisas, que compete aos juízes federais processar e julgar “as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. Entretanto, se houve superfaturamento na licitação estadual, o prejuízo recairá sobre o erário estadual – e não o federal –, uma vez que, não obstante a fraude, o contrato de mútuo feneratício entre o Estado-Membro e o BNDES permanecerá válido, fazendo com que a empresa pública federal receba de volta, em qualquer circunstância, o valor emprestado ao ente federativo. Dessa maneira, o fato em análise não atrai a competência da Justiça Federal, incidindo, na hipótese, mutatis mutandis, a ratio essendi da Súmula 209 do STJ, segundo a qual “compete à justiça estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”. Precedente citado: HC 41.240-RJ, Quinta Turma, DJ 29/8/2005; e RHC 34.559-BA, Sexta Turma, DJe de 4/8/2014. RHC 42.595-MT, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/12/2014, DJe 2/2/2015.
O pagamento do tributo devido não extingue a punibilidade do crime de descaminho (art. 334 do CP). A partir do julgamento do HC 218.961-SP (DJe 25/10/2013), a Quinta Turma do STJ, alinhando-se ao entendimento da Sexta Turma e do STF, passou a considerar ser desnecessária, para a persecução penal do crime de descaminho, a apuração administrativa do montante de tributo que deixou de ser recolhido, tendo em vista a natureza formal do delito, o qual se configura com o simples ato de iludir o pagamento do imposto devido pela entrada de mercadoria no país. Na ocasião, consignou-se que o bem jurídico tutelado pelo art. 334 do CP vai além do valor do imposto sonegado, pois, além de lesar o Fisco, atinge a estabilidade das atividades comerciais dentro do país, dá ensejo ao comércio ilegal e à concorrência desleal, gerando uma série de prejuízos para a atividade empresarial brasileira. Verifica-se, assim, que o descaminho não pode ser equiparado aos crimes materiais contra a ordem tributária, o que revela a impossibilidade de que o agente acusado da prática do crime de descaminho tenha a sua punibilidade extinta pelo pagamento do tributo. Ademais, o art. 9º da Lei 10.684/2003 prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento dos débitos fiscais apenas no que se refere aos crimes contra a ordem tributária e de apropriação ou sonegação de contribuição previdenciária – arts. 1º e 2º da Lei 8.137/1990, 168-A e 337-A do CP. Nesse sentido, se o crime de descaminho não se assemelha aos crimes acima mencionados, notadamente em razão dos diferentes bens jurídicos por cada um deles tutelados, inviável a aplicação analógica da Lei 10.684/2003. RHC 43.558-SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 5/2/2015, DJe 13/2/2015.
Tratando-se de réu multirreincidente, não é possível promover a compensação entre a atenuante da confissão espontânea e a agravante da reincidência. De fato, a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que a atenuante da confissão espontânea pode ser compensada com a agravante da reincidência (EREsp 1.154.752-RS, DJe 4/9/2012). No entanto, tratando-se de réu multirreincidente, promover essa compensação implicaria ofensa aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade. Isso porque a multirreincidência exige maior reprovação do que aquela conduta perpetrada por quem ostenta a condição de reincidente por força, apenas, de um único evento isolado em sua vida. Precedente citado: AgRg no REsp 1.356.527-DF, Quinta Turma, DJe 25/9/2013. AgRg no REsp 1.424.247-DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/2/2015, DJe 13/2/2015.
Em se tratando de crime sexual praticado contra menor de 14 anos, a experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofendido não servem para justificar a diminuição da pena-base a título de comportamento da vítima. Inicialmente, importante salientar que a jurisprudência pacífica do STJ considera que, no estupro e no atentado violento ao pudor contra menor de 14 anos, praticados antes da vigência da Lei 12.015/2009, a presunção de violência é absoluta. Desse modo, é irrelevante, para fins de configuração do delito, a aquiescência da adolescente ou mesmo o fato de a vítima já ter mantido relações sexuais anteriores (EREsp 1.152.864-SC, Terceira Seção, DJe 1º/4/2014 e EREsp 762.044-SP, Terceira Seção, DJe 14/4/2010). Portanto, tem-se que o comportamento da vítima menor de 14 anos é irrelevante para fins de configuração do delito, tendo em vista a presunção absoluta de violência. No caso em análise, todavia, a discussão gira em torno da possibilidade de se considerar o comportamento da vítima – quando menor de 14 anos – como fundamento para a redução da pena-base do réu. De fato, sobre a possibilidade de redução da pena-base em face do comportamento da vítima, o STJ firmou entendimento de que “o comportamento da vítima é uma circunstância neutra ou favorável quando da fixação da primeira fase da dosimetria da condenação” (HC 245.665-AL, Quinta Turma, DJe 3/2/2014). Nessa medida, ainda que o comportamento da vítima possa ser considerado de forma favorável ao réu, tratando-se de crime de atentado violento ao pudor contra vítima menor de 14 anos, a experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofendido não servem para justificar a diminuição da pena-base a título de comportamento da vítima. A experiência sexual anterior e a eventual homossexualidade do ofendido, assim como não desnaturam o crime sexual praticado, com violência presumida, contra menor de 14 anos, não servem para justificar a diminuição da pena-base a título de comportamento da vítima. REsp 897.734-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/2/2015, DJe 13/2/2015.
Considera-se consumado o delito de atentado violento ao pudor cometido por agente que, antes da vigência da Lei 12.015/2009, com o intuito de satisfazer sua lascívia, levou menor de 14 anos a um quarto, despiu-se e começou a passar as mãos no corpo da vítima enquanto lhe retirava as roupas, ainda que esta tenha fugido do local antes da prática de atos mais invasivos. Considerar consumado atos libidinosos diversos da conjunção carnal somente quando invasivos, ou seja, nas hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima, não corresponde ao entendimento do legislador, tampouco ao da doutrina e da jurisprudência acerca do tema. Conforme ensina a doutrina, libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, que objetiva prazer sexual; aliás, libidinoso é espécie do gênero atos de libidinagem, que envolve também a conjunção carnal. Nesse contexto, o aplicador precisa aquilatar o caso concreto e concluir se o ato praticado foi capaz de ferir ou não a dignidade sexual da vítima. Quando o crime é praticado contra criança, um grande número de outros atos (diversos da conjunção carnal) contra vítima de tenra idade, são capazes de lhe ocasionar graves consequências psicológicas, devendo, portanto, ser punidos com maior rigor. Conforme já consolidado pelo STJ: “o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, que caracteriza o delito tipificado no revogado art. 214 do CP, inclui toda ação atentatória contra o pudor praticada com o propósito lascivo, seja sucedâneo da conjunção carnal ou não, evidenciando-se com o contato físico entre o agente e a vítima durante o apontado ato voluptuoso” (AgRg no REsp 1.154.806-RS, Sexta Turma, DJe 21/3/2012). Por certo, não há como classificar, com rigidez preestabelecida, os contatos físicos que configurariam o crime de atentado violento ao pudor em sua forma consumada. Cada caso deve ser analisado pelo julgador de maneira artesanal, e algumas hipóteses menos invasivas entre pessoas adultas poderão, singularmente, até mesmo afastar a configuração do crime sexual, permanecendo, residualmente, a figura contravencional correspondente. Na hipótese em análise, entretanto, ficou evidenciada a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal em desfavor da vítima em um contexto no qual o réu satisfez sua lascívia ao acariciar o corpo nu do menor. Ressalta-se, por fim, que a proteção integral à criança, em especial no que se refere às agressões sexuais, é preocupação constante de nosso Estado, constitucionalmente garantida (art. 227, caput e § 4º, da CF), e de instrumentos internacionais. REsp 1.309.394-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/2/2015, DJe 20/2/2015.
O Tribunal pode, a qualquer momento e de ofício, desconstituir acórdão de revisão criminal que, de maneira fraudulenta, tenha absolvido o réu, quando, na verdade, o posicionamento que prevaleceu na sessão de julgamento foi pelo indeferimento do pleito revisional. O processo, em sua atual fase de desenvolvimento, é reforçado por valores éticos, com especial atenção ao papel desempenhado pelas partes, cabendo-lhes, além da participação para construção do provimento da causa, cooperar para a efetivação, a observância e o respeito à veracidade, à integralidade e à integridade do que se decidiu, conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito. A publicação intencional de acórdão apócrifo – não autêntico; ideologicamente falso; que não retrata, em nenhum aspecto, o julgamento realizado – com o objetivo de beneficiar uma das partes não pode reclamar a proteção de nenhum instituto do sistema processual (coisa julgada, segurança jurídica, etc.), mesmo após o seu trânsito em julgado. Com efeito, ao sistema de invalidades processuais se aplicam todas as noções da teoria do direito acerca do plano de validade dos atos jurídicos de maneira geral. A validade do ato processual diz respeito à adequação do suporte fático que lhe subjaz e lhe serve de lastro. Nesse passo, não é possível estender ao ato ilícito os planos de validade e de eficácia destinados somente aos atos jurídicos lícitos, principalmente quando o suporte fático que lastreou o ato impugnado foi objeto de fraude, operada na publicação. Vale dizer, nenhum efeito de proteção do sistema processual pode ser esperado da publicação de um acórdão cujo conteúdo e resultado foram forjados. Sob esse viés, a atitude do Tribunal cingiu-se, apenas, a desconsiderar o ilícito, o que poderia, nessa ordem de ideias, ser feito em qualquer momento, mesmo sem provocação da parte interessada. Ademais, a manutenção dos efeitos da publicação ilícita refoge à própria finalidade da revisão criminal que, ao superar a intangibilidade da sentença transitada em julgado, cede espaço aos imperativos da justiça substancial. Nesse ponto, é bem verdade que a revisão criminal encontra limitações no direito brasileiro, e a principal delas diz respeito à modalidade de decisão que pode desconstituir. Desde que instituída a revisão criminal na Constituição de 1891, é tradição do processo penal brasileiro reconhecer – tomando o princípio do favor rei como referência – que somente as sentenças de condenação podem ser revistas. Entretanto, embora entre nós não se preveja, normativamente, a possibilidade de revisão do julgado favorável ao réu, a jurisprudência do STF autoriza a desconstituição da decisão terminativa de mérito em que se declarou extinta a punibilidade do acusado, em conformidade com os arts. 61 e 62 do CPP, tendo em vista a comprovação, posterior ao trânsito em julgado daquela decisão, de que o atestado de óbito motivador do decisum fora falsificado. Assim, o raciocínio a ser empregado na espécie há de ser o mesmo. Embora a hipótese em análise não reproduza o caso de certidão de óbito falsa, retrata a elaboração de acórdão falso, de conteúdo ideologicamente falsificado, sobre o qual se pretende emprestar os efeitos da coisa julgada, da segurança jurídica e da inércia da jurisdição, o que ressoa absolutamente incongruente com a própria natureza da revisão criminal que é a de fazer valer a verdade. Não se trata, portanto, de rejulgamento da revisão criminal, muito menos se está a admitir uma revisão criminal pro societate. Trata-se de simples decisão interlocutória por meio da qual o Poder Judiciário, dada a constatação de flagrante ilegalidade na proclamação do resultado de seu julgado, porquanto sedimentado em realidade fática inexistente e em correspondente documentação fraudada, corrige o ato e proclama o resultado verdadeiro (veredicto). Pensar de modo diverso ensejaria ofensa ao princípio do devido processo legal, aqui analisado sob o prisma dos deveres de lealdade, cooperação, probidade e confiança, que constituem pilares de sustentação do sistema jurídico-processual. O processo, sob a ótica de qualquer de seus escopos, não pode tolerar o abuso do direito ou qualquer outra forma de atuação que enseje a litigância de má-fé. Logo, condutas contrárias à verdade, fraudulentas ou procrastinatórias conspurcam o objetivo publicístico e social do processo, a merecer uma resposta inibitória exemplar do Poder Judiciário. Portanto, visto sob esse prisma, não há como se tolerar, como argumento de defesa, suposta inobservância à segurança jurídica quando a estabilidade da decisão que se pretende seja obedecida é assentada justamente em situação de fato e em comportamento processual que o ordenamento jurídico visa coibir. REsp 1.324.760-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/12/2014, DJe 18/2/2015.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STJ - Superior Tribunal de Justiça. Informativo 555 do STJ - 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2015, 09:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/informativos dos tribunais/43614/informativo-555-do-stj-2015. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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